Compliance nos partidos políticos
Por Otavio Venturini e Tony Chalita
Os recentes escândalos de corrupção que atingiram o âmago das instituições brasileiras e as operações para o seu combate que ganharam destaque na mídia têm estimulado debates sobre como enfrentar o problema sistêmico da corrupção no Brasil.
Uma das propostas mais debatidas para o enfrentamento dessa crise é a reforma política. No entanto, esse tipo de iniciativa exige mudanças estruturais que merecem ser amadurecidas com tempo e por meio de um amplo debate democrático, uma vez que podem ensejar transformações no
sistema eleitoral e de governo. Além disso, existe um “path dependence”, isto é, uma dependência de trajetória que implica custos aumentados para o país reverter um caminho já iniciado, o que também não pode ser desconsiderado por seus propositores.
Por essas razões, reformas de caráter pontual e desenvolvidas para o nosso contexto, ainda que não representem, por si só, um novo caminho, mostram-se mais viáveis em curto ou médio prazo e podem oferecer respostas positivas ao problema da corrupção.
Uma dessas medidas é o compliance anticorrupção e suborno (ABC) em partidos políticos. Esse instrumental foi alavancado no Brasil pela recente Lei Anticorrupção (Lei no 12.846/13) e toda a sua regulamentação, que conferiram relevância ao programa de integridade para fins de dosimetria das sanções a serem aplicadas em empresas envolvidas em corrupção.
No que concerne ao ABC compliance em Partidos Políticos, estão em consulta pública dois Projetos de Lei. O primeiro é o Projeto de Lei do Senado no 60, de 2017, proposto pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), que estende a responsabilização objetiva aos Partidos pela prática de atos contra a Administração Pública e estimula a adoção de programas de integridade como mecanismo de atenuação das sanções, nos mesmos moldes da Lei Anticorrupção.
O segundo é o Projeto de Lei do Senado no 429, de 2017, proposto pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que estabelece a exigência de mecanismos de compliance nas operações e atividades mais sensíveis dos Partidos Políticos, sob pena de suspensão de recebimento do Fundo Partidário, pelo período de até 12 meses.
A importância dessas iniciativas potencializa-se em um momento de transformações legislativas no Sistema de Financiamento dos Partidos Políticos. Se, por um lado, o encurtamento do tempo de campanha e o estabelecimento de um teto de gastos deveriam representar uma redução significativa no custo das campanhas eleitorais e um fortalecimento dos mecanismos de controle, por outro, o que se identificou foi a gênese de um sistema quase público de financiamento atrelado à proliferação imoderada do caixa 2.
Tanto é verdade que, no apagar das luzes de 2017, o Congresso Nacional aprovou o Fundo de Financiamento da Democracia como fonte de recursos para as Campanhas Eleitorais a partir de 2018, respeitada a proporção de cadeiras ocupadas por cada agremiação na Câmara dos Deputados.
Com essas alterações no modelo de financiamento, foram colocadas em jogo a capacidade e a estrutura da Justiça Eleitoral para fiscalizar a aplicação de recursos públicos nas Campanhas Eleitorais. Não por outra razão, tem-se a importância de o legislador buscar mecanismos mais sofisticados que estimulem o autocontrole por parte das agremiações.
Dessa forma, os dois PLSs podem ser compreendidos como respostas a essas mudanças, ainda que guardem, como dito, algumas diferenças entre si. A concepção do PLS no 60/17 se insere no debate sobre a aplicação da Lei Anticorrupção aos partidos políticos (que também são pessoas jurídicas de direito privado), de modo que a sua redação é bastante próxima da dos dispositivos daquela Lei, recaindo no programa de integridade um elemento crucial para a dosimetria da sanção ao partido, na hipótese de descortinar-se um ato ilícito cometido pela agremiação.
O PLS no 429/17, por sua vez, promove a exigência de mecanismos de integridade nas operações e atividades mais sensíveis dos partidos políticos (ex.: gastos de maior vulnerabilidade e recebimento de doações) e prevê sanções às agremiações que não implementarem o programa ou o fizerem de forma ineficaz. A proposta é responsabilizar a agremiação pela inexistência ou ineficiência do programa de integridade.
O projeto estabelece, ainda, a obrigatoriedade de os partidos políticos realizarem diligências (due diligence) em relação às doações consideradas de alto valor, para que se possa apurar a origem dos recursos, o setor do mercado em que atua o doador e o seu grau de interação com o setor público, ainda que por intermédio de pessoas jurídicas.
A reflexão que se propõe em relação ao conteúdo dos PLSs é: como tornar tais medidas efetivas? A suspensão de recebimento do Fundo Partidário pela inexistência ou ineficiência do programa de integridade pode ser uma medida eficaz. É bem verdade que o caminho até a aprovação dos PLSs é longo, mas isso não impede que legendas se antecipem na adoção de medidas preventivas para o autocontrole nas suas atividades.
Artigo publicado no Valor Econômico na data de 27/02/2018: http://www.valor.com.br/legislacao/5348189/compliance-nos-partidos-politicos
Imagem por Mario Roberto Duran Ortiz (Own work) [Public domain], via Wikimedia Commons