Categorias: Notícias

Nota técnica do IBDEE sobre a cumulação dos cargos de Procurador Federal e Compliance Officer

Conflito de interesses: exercício simultâneo das atividades de membro da AGU – Advocacia Geral da União e de profissional de Compliance e Integridade de entidades privadas

Observamos claro e evidente conflito de interesses no exercício simultânea das atividades de membro da AGU e de profissional de Compliance e Integridade em entidades privadas.

As atividades de Compliance e de Integridade nos negócios vem sendo objeto de legislação e regulamentação há vários anos, tornando-se mais evidente com o advento da assim denominada Lei Anticorrupção que tipificou as violações praticadas por entidades privadas contra a administração pública, sanções, acordo de leniência, programas de integridade e outros temas.

Especificamente sobre o profissional que deve liderar o programa de integridade, a lei ordinária federal 12846/2013 e seu decreto regulamentador, decreto 8420, em seu artigo 42, determinaram características específicas, prescrevendo: “Art. 42.  Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: ..IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;”

Diretor de integridade, diretor de Compliance, gestor de Compliance e outros são termos variados para designar este profissional, que não precisa ser necessariamente um advogado, tendo a lei preferido utilizar o termo “instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento.” Acrescentando que deve ter: a) independência; b) estrutura e c) autoridade.

O próprio decreto, no mesmo artigo, define um extenso rol do que é necessário ao profissional fazer acontecer, ou seja, implementar, desenvolver e administrar de modo contínuo a saber: Estabelecer o tom da liderança; Criar um código de conduta e normas de integridade; Criar código e políticas de integridade para terceiros relacionados; Realizar treinamentos ; Gestão de Riscos: Registros contábeis confiáveis: Controles internos financeiros: Procedimentos para prevenir fraudes nas relações com o poder público ;Criação e manutenção de canais de denúncia; Aplicação de medidas disciplinares; Procedimentos corretivos; Auditoria legal de terceiros; Auditoria legal nas fusões e aquisições; Monitoramento contínuo:

Seja um advogado, um contador, um médico, um engenheiro ou qualquer outro profissional, como acontece nas empresas atualmente, em que se observa ampla gama de profissionais atuando em Compliance, tendo as incumbências e o poder necessário para realizá-las, será antes de mais nada um administrador, no sentido amplo do termo.

Conforme a lei das sociedades anônimas, aplicável subsidiariamente às limitadas, bem como código civil, administradores tem deveres legais de lealdade, diligência, informação e observância de conflito de interesses. Vale lembrar a designação genérica do diploma civil: “Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.”

De outro lado, observa-se do Parecer nº 00045/2018/DAD/PGF/AGU, de 23 de fevereiro de 2018, da Advocacia Geral da União, a manifestação de que não haveria conflito de interesses entre a atividade destes profissionais, da AGU, e a atividade daqueles dedicados ao Compliance das empresas.

Vale sempre lembrar que os membros da AGU – Advocacia Geral da União, tem como função precípua defender os interesses da União Federal, devendo realizar suas atividades sob regime próprio, assim como juízes e membros do Ministério Público, por exemplo.

A Constituição Federal estabelece como norte para todos estes profissionais: a defesa do interesse público, pautando-se pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Referido Parecer causou-nos, como cidadãos, muita estranheza. Havendo um conflito de interesses entre a União Federal e a entidade privada, a quem atenderá o profissional que atua para ambas? Informações sobre a União Federal, de caráter sigiloso, serão compartilhadas com a entidade privada? Informações da entidade privada, que podem lhe garantir o direito de defesa em uma demanda da União Federal, serão com esta compartilhadas? Diante de duas demandas de trabalho urgentes, quem será atendida primeira? A União ou a entidade privada?

Comparando-se as atividades de um profissional de Compliance e integridade, com as atividades de um membro da AGU – Advocacia Geral da União, Inúmeras outras hipóteses podem ser aventadas, levando à conclusão do conflito de interesses entre as duas atividades, de modo imanente, inarredável e em desacordo com a lei.

Referido Parecer encontra-se atualmente com seus efeitos suspensos, para análise da Corregedoria de referida instituição pública, sendo nossa opinião, pelos motivos expostos, de que deva ser caracterizada a existência de conflito de interesses, na citada hipótese, estabelecendo-se que não podem os membros da AGU exercer a atividade privada de gestor de Compliance e integridade, aprimorando-se, desta forma o ambiente de transparência e consequentemente as instituições éticas e democráticas.

Conselho Acadêmico IBDEE

Edmo Neves (coordenador)
Alessandro Cruz
André Lemos
Rafael Hissa
Otavio Venturini
Gustavo Justino de Oliveira
José Guimarães
Rafael Valentim