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Moralidade Fiscal, Parcela Justa do Imposto e Direitos dos Contribuintes – Parte 1 Renato Vilela Faria

Era uma vez….uma época em que a China estava crescendo loucamente; os recursos naturais estavam fazendo as pessoas ficarem cada vez mais ricas; os gregos, aos 55 anos, paravam de trabalhar com pensões gordas; os bancos norte-americanos concediam empréstimos milionários a pessoas sem nenhum centavo (ou mesmo sem garantias); e os políticos estavam felizes por todas as partes do mundo. E aí, de repente, os Lehman Brothers! Será que havia dinheiro suficiente para sustentar tantos direitos sociais, governos populistas, benefícios fiscais duvidosos e agressivos e toda essa festa (ou farra) que acontecia no mundo?

Começou mais ou menos assim o painel que discutiu sobre a crise econômica e proteção dos direitos dos contribuintes no Congresso Internacional do IFA (International Fiscal Association), realizado durante os dias 27 a 31 de agosto de 2017, no Rio de Janeiro. Com ênfase fortemente voltada às grandes discussões do direito tributário internacional, em especial ao pacote de Ações do BEPS (Base Erosion Profit Shifting) lideradas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), um dos grandes temas largamente discutido e que chamou a atenção do público foi a questão do “imposto ou tributação moral” (tax morality) e do que costumou a se chamar da parcela justa do imposto (fair share of tax) a ser recolhido/pago pelos contribuintes, notadamente pelas grandes corporações multinacionais.

A discussão foi tomada por diferentes perspectivas, da administração fiscal, do legislativo, dos tribunais e da seara política. Os debates questionaram e contrastaram a análise da relevância do que é esperado a título de comportamento dos contribuintes com os princípios tradicionais do direito tributário, tais como a legalidade e da expectativa de certeza com relação aos atos do estado.

A solução que parecia ter sido encontrada seria tributar as multinacionais, afinal elas não votam e, como os ricos, são em menor número e devem contribuir com uma parcela maior. Anos se passaram e gigantes como Google, FaceBook, Starbucks, Amazon e tantas outras, redomiciliaram seus estabelecimentos em busca de uma carga tributária menor, em alguns casos por meio de planejamentos tributários agressivos; na visão dessas empresas, em busca de uma parcela de contribuição que entendiam ser justa do lado deles.

Avaliar o comportamento dos contribuintes, mormente aquelas empresas, como certo ou errado, o que, a rigor, é uma questão quase que moral, tornou-se medida comum, não apenas pelo público em geral, mas, também, por membros do governo e do legislativo, a adêmicos e até mesmo pelo Judiciário. Nos Estados Unidos, por exemplo, o senado questionou e contestou veementemente a postura de empresas genuinamente norte americanas que deslocaram toda a tributação de seus lucros para países com baixa tributação, como é o caso da Irlanda. Bilhões de dólares deixaram de ser arrecadados em matéria de imposto sobre a renda, dando margem para questionamentos se essas novas estruturas eram ou são válidas ou, ao contrário, constituem práticas fiscais prejudiciais e evasivas.

A justiça ou igualdade (fairness), que é um valor altamente subjetivo, passa a ser encarada quase que como uma norma prescritiva, supostamente “obrigando” os contribuintes a contribuir com a sua parcela justa da arrecadação. Mas qual seria essa parcela “justa” de imposto? Estamos falando de uma justiça distributiva, como ocorre, ou ao menos deveria ocorrer, com a tributação sobre a renda, baseada na capacidade contributiva? Ou, diante da crise econômica que assolou o mundo na última década, e ainda traz seus efeitos, com redução sensível dos níveis de arrecadação, estamos falando de uma perseguição às bruxas como forma de arrecadar receitas tributárias a qualquer custo? Será que o elemento subjetivo do valor “justiça” comporta essa elasticidade?

Nessa toada, vários questionamentos devem ser feitos para tentar isolar algumas características e construir uma ou algumas premissas de forma a classificar se o sistema tributário de um determinado país é ou não justo. Assim, são relevantes, dentre outros, os seguintes questionamentos: (i) qual a carga tributária de todos os entes tributantes (federal, estadual e municipal) em um país?; (ii) quanto de tributos pessoais (o IR é o maior exemplo) estamos pagando?; (iii) quão dependente o sistema tributário de um país é dos tributos pessoais em relação aos demais tributos?; (iv) quão graduado é o sistema tributário do país ou quão progressivas são as alíquotas?; (v) quais as ferramentas para redução ou diferimento da tributação? Essas ferramentas estão disponíveis a todos?; (vi) qual a média da alíquota tributária efetiva para os 1% mais ricos e para os 99% menos ricos e como essas médias se comparam? Esses são apenas alguns questionamentos para tentar melhor direcionar o assunto e suas conclusões.

A primeira comparação para tentar identificar se o sistema tributário é justo é a comparação entre o total da carga tributária com o PIB do país. A primeira coluna da tabela abaixo traz os resultados colhidos pelo expositor canadense, Michael O’Connor.
Vejamos: