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A nova lei das estatais e a atuação do gestor público

Diego Valois* 

A entrada em vigor da Lei n° 13.303, de 30 de junho de 2016, que disciplina o regime jurídico das empresas estatais, representa um marco legislativo digno de aplausos, seja por suprimir a histórica lacuna prevista no parágrafo único do art. 173 da Constituição Federal, seja por trazer relevantes inovações que podem ser agrupadas, grosso modo, em duas categorias: no esforço para fixar maior controle sobre a atividade gerencial pública e na introdução de novas práticas relativas à contratação. Contudo, aspecto relevante não recebeu o tratamento adequado pela citada lei, trata-se das garantias de atuação do gestor público responsável pela administração da empresa estatal, que permanece sem instrumentos apropriados que possam lhe garantir certo nível de segurança sobre a tomada de decisões que envolvam algum grau de risco.

Percebe-se que a Lei das Estatais teve grande preocupação em estabelecer regras com o objetivo de fixar controles sobre a atividade da gestão pública. Tais controles podem ser representados pelos requisitos e vedações previstos nos artigos 17 e 22 para indicação do gestor público que assumirá posições na diretoria e Conselho de Administração (controle ex ante) ou pela introdução de mecanismos de governança, tais como a criação do Comitê de Auditoria Estatutário previsto nos artigos 24 e 25, órgão com autonomia operacional, orçamentária e formada profissionais independentes, com capacidade de exercer amplos poderes de fiscalização (controle ex post).

Por outro lado, a Lei das Estatais traz importantes inovações no quesito contratação pública, sobretudo no que diz respeito ao procedimento licitatório. Embora não seja objetivo deste ensaio discorrer sobre as novidades decorrentes da nova lei – nem sobre a ausência de novidades com relação à fase contratual; é valido, porém, afirmar que a introdução de novos mecanismos poderá trazer maior eficiência na modelagem do projeto que será licitado. Neste sentido, é possível apontar: a inversão de fases para qualquer modalidade de contratação, a criação do regime de contratação semi-integrada, a exigência de cláusula de matriz de riscos, a possibilidade do estabelecimento da remuneração variável, dentre outros.

Em que pese os aspectos positivos acima mencionados, a Lei das Estatais deixou de enfrentar tema que tem sido frequentemente apontado como responsável por travar o bom andamento da máquina pública (aqui no âmbito da empresa estatal). Ocorre que o gestor público, após o necessário escrutínio de seleção estabelecido na Lei, terá de enfrentar no desempenho de suas atribuições a responsabilidade pessoal (§2°, do art. 30) pelas ações tomadas sobre a sua alçada, muitas delas amparadas em laudos técnicos e sob parâmetros de boa-fé, mas que eventualmente são qualificadas como irregulares ou mesmo ilícitas pelos órgãos de controle externo como os Tribunais de Contas, o Ministério Público e órgãos de controladorias.

Este rigoroso rito fiscalizatório tem imposto ao gestor público uma conduta de extrema cautela na edição dos atos administrativos essenciais ao movimento da máquina pública, sendo certo que esse excesso de zelo, muitas vezes, conflita com o interesse público perseguido pela empresa estatal. Em outras palavras, o gestor público, em vez de orientar a sua decisão com base no critério do que seria mais eficiente para a administração, passa a decidir com base no critério da exposição ‘ao menor risco’, circunstância que acarreta à sociedade um prejuízo de difícil percepção.

Não se quer defender aqui que o gestor público tome decisões sem suporte na lei e nos demais princípios que regem a atividade administrativa; ocorre que em algumas situações, a Administração Pública poderá tomar distintos caminhos, cujo lastro jurídico pode variar entre totalmente aderente às posições mais conservadoras dos órgãos de controle ou menos alinhado àquelas posições, porém adequadas do ponto de vista normativo e de eficiência administrativa. Sem instrumentos que possam garantir alguma proteção em face da decisão tomada, a tendência é que o gestor público siga o primeiro caminho.

Deste modo, com exceção da previsão contida no §1°, do art. 17, para contratação do seguro de D&O (Directors and Officers Liability Insurance), a Lei das Estatais nada mais fala sobre as garantias que poderiam ser erigidas com o objetivo de promover maior segurança do gestor público na condução das suas funções institucionais. Um caminho possível seria a determinação legal para que se faça constar no estatuto os mecanismos de defesa da administração, como, por exemplo, o dever da empresa estatal de realizar a defesa judicial ou administrativa do gestor, quando sua decisão tenha sido fundamentada em laudos e pareceres técnicos, sendo possível avaliar um eventual ressarcimento dos custos da defesa na hipótese de condenação.

Por fim, acredita-se que a lei aqui analisada traz importantes contribuições ao regime das empresas estatais, não obstante foi possível perceber a ausência de regulação sobre as garantias de atuação do gestor público que permanece sem incentivos para tomar decisões que possam apenas em tese conflitar com interpretações mais conservadoras dos órgãos de controle. Desta constatação decorre que não adianta apenas introduzir novas práticas no âmbito da atividade administrativa sem que a inserção dessas práticas venha acompanhada de mecanismos que garantam a segurança daqueles que têm a atribuição legislativa e estatutária para aplicá-las: o gestor público.

* Diego Valois, advogado, é coordenador da Comissão de Governança do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE)

http://brasil.estadao.com.br/blogs/tudo-em-debate/a-nova-lei-das-estatais-e-a-atuacao-do-gestor-publico/