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2017: Ano do compliance e de teste para o acordo de leniência

Se tivéssemos que identificar os principais temas jurídicos que marcaram o ano de 2017 no campo empresarial, certamente compliance e acordos de leniência estariam entre eles.

Em que pese a Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção) esteja vigente desde janeiro de 2014 – e, consequentemente, o cumprimento aos mecanismos de integridade nela previstos pudesse ser feito desde então, foi neste ano que efetivamente se viu a implementação maciça de programas de compliance por parte das grandes companhias brasileiras.

O tema passou a ser levado a sério pelos empresários e o que se viu foi uma grande corrida de adaptação a regras e procedimentos modernos de conformidade.

Nunca estiveram tão em alta no mundo corporativo os profissionais responsáveis pelas áreas de auditoria interna, em especial o cargo ora (re)conhecido do Compliance Officer.

A demanda foi grande também para os escritórios de advocacia especializados, que viram crescer significativamente os serviços de treinamento, auxílio à implementação dos mencionados programas e consultorias em geral relacionadas ao tema.

No campo acadêmico não foi diferente, com o aumento e o desenvolvimento da produção doutrinária, além da criação de disciplinas e cursos específicos de pós-graduação voltados ao assunto.

Em paralelo a tudo isso, e com grande destaque, as discussões envolvendo acordos de leniência.

O ano foi de incontáveis testes para o instituto.

Ao mesmo tempo em que históricos acordos foram firmados na esteira da Operação Lava-Jato, com recordes sucessivos de montantes de ressarcimento (citem-se, pelo Ministério Público Federal, as leniências dos grupos Odebrecht, homologada em maio no valor de R$ 8,5 bi, e JBS, assinada no mês de junho no valor de R$ 10,3 bi; pela Controladoria Geral da União, o acordo com a UTC em julho, com ressarcimento de R$ 574 mi), o período foi também marcado por alguns revezes reveladores das fragilidades regulatórias do instrumento, que sofre com a superposição de competências de órgãos estatais.

Em agosto, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) suspendeu o acordo celebrado entre o Ministério Público Federal e a Odebrecht, acolhendo recurso interposto pela Advocacia Geral da União.

Segundo o Tribunal, a CGU e a AGU deveriam ter participado das negociações por força do que prevê a Lei 12.846/13.

Em novembro, o Tribunal de Contas da União, em sessão secreta, teria suspenso cautelarmente a assinatura de acordo entre a CGU e a holandesa SBM Offshore, investigada por corrupção em contratos com a Petrobras.

Trata-se de um segundo contratempo para o mesmo caso, eis que no ano anterior o acordo de leniência que fora firmado pela companhia com a CGU, tendo o MPF como parte, não foi homologado pela 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF por, entre outras razões, não ter havido proveito para a investigação, além de ter sido dada quitação em favor da empresa sem que os danos estivessem integralmente apurados.

Os entraves envolvendo o instituto da leniência previsto na Lei 12.846/13, como se vê, parecem não ter fim.

Embora a norma seja clara quanto à competência da CGU e da AGU para firmar os sobreditos acordos, falhou ao não disciplinar a participação do MPF e do TCU. Decorrência disso é a completa insegurança jurídica para a empresa que firmar acordo com os primeiros órgãos sem negociar com os demais.

Nada impede que a pessoa jurídica seja responsabilizada pelo MPF por força das revelações de irregularidades cometidas no contexto do acordo. Não à toa que até hoje, decorridos mais de quatro anos da edição da Lei 12.846/13, somente um acordo de leniência foi celebrado pela CGU.

Do mesmo modo, ainda que o ajuste seja subscrito pelo MPF, a pessoa jurídica não ficará imune à propositura de ação de ressarcimento e de improbidade administrativa pela AGU, nem da fiscalização e sanções a cargo do TCU.

É este, aliás, o embaraço atual das empresas que celebraram acordo com a força-tarefa da Lava-Jato do MPF nos últimos anos.

Veem-se no polo passivo de ações de ressarcimento bilionárias propostas pela AGU, além de passivos da mesma ordem — no mais das vezes superiores —, originados de fiscalizações do TCU.

A Corte de Contas, aliás, em seus primeiros pronunciamentos, tem entendido que nada a desobriga de aplicar sanção de inidoneidade — baseada em sua Lei Orgânica — às empresas que, nos acordos de leniência com o MPF, revelaram e reconheceram a prática de ilícitos em licitações.

Esta questão específica em muito breve chegará ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a iminência de decisões definitivas sobre o assunto pelo TCU.

É premente, como facilmente se observa, a necessidade de alteração da Lei 12.846/13, de modo a tornar efetivamente viável a celebração desses acordos, conferindo-lhes a eficiência que merecem ter.

Entendemos que a solução passa pela criação de um procedimento judicial específico voltado à celebração do acordo, prevendo-se a participação conjunta da Advocacia Pública, do Ministério Público e da respectiva autoridade administrativa legitimada.

Ao Tribunal de Contas deve caber o controle a posteriori e sob o enfoque exclusivo do ressarcimento envolvido, eliminando-se o bis in idem de sanções, como é o caso da inidoneidade prevista na Lei Orgânica da Corte.

Se, de um lado, o ano de 2017 foi atribulado para os operadores da leniência regulada pela Lei Anticorrupção, não se pode deixar de reconhecer, como consequência da mesma norma, os avanços experimentados no âmbito empresarial com o desenvolvimento de programas de integridade.

E o que esperar de 2018?

De um lado, empresas cada vez mais compromissadas com a ética nos negócios e conscientes de seu papel central no combate à corrupção.

De outro — e aqui talvez não seja uma expectativa, mas uma incontornável necessidade —, a reforma da Lei 12.846/13, em especial de seu capítulo sobre a leniência, a fim de disciplinar adequadamente o papel de cada ente estatal constitucionalmente legitimado, eliminando-se superposições de competências, bem como para aprimorar o instituto, tornando-o eficaz e seguro para os envolvidos.

*Giuseppe Giamundo Neto, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE) e sócio do Giamundo Neto Advogados>